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Adega Mayor: O vinho como objecto de design

Jornal de Negócios | 26-05-2014 | Geral, Outros
Siza Vieira fez os esboços da Adega Mayor à mesa de um restaurante com Rui Nabeiro, em 2005. O edifício ergueu-se, a maquete passeou pelo mundo e os vinhos foram bem recebidos. Agradecido, o líder do Grupo Nabeiro lançou o tinto Siza, mas, de início, o arquitecto não estava para aí virado.
Este tinto Siza 2009 foi feito por Paulo Laureano, o enólogo que arrancou com o projecto antes de 2007. Desde a vindima de 2013, os destinos dos vinhos da Adega Mayor estão entregues a Rui Reguinga, que já mostrou, com dois brancos, que o perfil dos vinhos irá mudar. O predomínio será dado mais ao terroir e não tanto à tecnologia de adega. Cada garrafa deste Siza custa €56.

O primeiro projecto vitícola português associado a um nome grande da arquitectura portuguesa foi a Adega Mayor, no Alentejo, da autoria de Siza Vieira. A ideia de juntar arquitectos de renome e adegas é uma estratégia recente e muito espanhola. Como eles são ricos (ou eram), investiram em grandes nomes da arquitectura mundial para explorar o enoturismo. Nós, por cá - com as excepções da praxe - são mais construções indiferenciadas com sistemas frio e caves de barricas.

Não sei quantos apreciadores dos vinhos da Adega Mayor já foram de propósito a Campo Maior para ver a obra de Siza Vieira e comprar garrafas (parece que visitas de estudantes de arquitectura de todo o mundo são frequentes), mas sei que o projecto do Grupo Nabeiro tem uma característica única em Portugal: a obsessão pela imagem e pelo design; a obsessão pelo vinho como um objecto de arte que sai da terra.

Tudo é pensado ao detalhe, no sentido de provocar impacto imediato nos consumidores e nos jornalistas, de tal forma que às vezes fico convencido de que quando os enólogos se juntam com a direcção da adega para criar novos produtos há sempre um designer sentado à mesa. A garrafa, o desenho do rótulo, a embalagem e os demais adereços, tudo tem por objectivo contar uma história. Num mundo cheio de bom vinho, essa estratégia faz muita diferença.

Repare-se, por exemplo, num vídeo concebido especificamente para o lançamento do tinto Siza 2009. Imaginem quem são os personagens principais do filme? O arquitecto do Porto? Rui Nabeiro? João Manuel Nabeiro? Rita Nabeiro? Os enólogos? Não, não. São dois funcionários da adega que, com o sentido de humor que caracteriza os alentejanos (benza-os Deus), falam do processo de construção de um "projecto muito avançado" e desenhado por "um arquitecto famoso". Famoso e esquisito, visto que, à medida que as paredes cresciam, um dos trabalhadores - o Sequeira - começou a perceber que a adega rectangular, branca e erguida de uma cova não ia ter janelas. De imediato deu-lhe o nome: "Bunker".

Desconheço o que Siza Vieira pensou da tese do Sequeira, mas sei - via Rita Nabeiro - que quando Rui Nabeiro foi ao Porto comunicar ao arquitecto que queriam fazer um vinho para o homenagear, este, distraído ou incrédulo, disse educadamente que sim, mas nunca mais pensou no assunto. Tempos depois, alguém da empresa voltou ao contacto com o arquitecto para lhe comunicar que o vinho, naturalmente de excepção, já tinha sido encontrado, só faltava mesmo era a garrafa concebida pelo autor da adega. Comentário de Siza Vieira: "Mas aquela vossa ideia era mesmo a sério? E o vinho vai ter mesmo o meu nome?". Teve. E aí estão 2500 garrafas de um tinto de 2009 feito com Alicante Boushet que, nestas partes do Alentejo, dá coisas muito sérias. De maneira que estamos perante um vinho com aromas de bosque, cogumelos, mas também chocolate e especiarias. Na boca parece veludo, com regresso das tais notas de chocolate e de especiarias. Profundo e elegante. Siza Vieira tinha colocado como condição para aceitar a nova marca "queo vinho fosse muito bom". Em Campo Maior fizeram-lhe a vontade. Juntou-se tudo: um vinho excelente, o design do nosso arquitecto maior e uma boa história para se contar à mesa. Touché.

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